Carta aberta aos novos fascistas e outros revolucionários sociais.

 

Gentilmente traduzido por Emiliano Villagrán.

Esta missiva é dedicada a todos os fascistas racionais, reacionários e conservadores dissidentes. Não queríamos chegar nessa altura, mas vemos que é necessário condenar um grupo de dissidentes que acabam fazendo mais mal do que bem.

Um espectro atormenta a dissidência: o espectro da modernidade. Concluídas as guerras do século XX, dissolvidos os seus movimentos de massas, acalmados os ímpetos de reação, se ergue sobre a tumba dos projetos paralelos e opostos ao liberalismo uma figura patética e, sem soar leve o epíteto, degenerada. Nos referimos à ressurreição ideológica dos fascismos ou, mais fundamentalmente, de duas das suas tradições constituintes: o futurismo e o socialismo, nos espaços atuais de pensamento dissidente.

Do futurismo podemos falar várias coisas. Filho bastardo da ilustração, a sua obsessão estética com o movimento permeou igualmente as suas contribuições ideológicas, nublando a perspetiva dos seus aderentes até o ponto de fazê-los adorar a guerra como fim, de aproximá-los a uma espécie de decadentismo. Na sua raiz possui aquele impulso progressista de avanço irracional, e de destruição, como denotam as palavras de Marinetti no seu Manifesto do futurismo (1909):

…um automóvel rugidor, que correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia… Por que haveríamos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade onipresente…

Aquele «absoluto» que habitam representa o fundamento da sua herança moderna, a separação do homem de noções altas que lhe subordinarem. Implicitamente, o ideal de velocidade pressupõe um indivíduo separado de estruturas que lhe governarem, sobre todo estruturas prévias, e parte de uma fuga é precisamente quão rápido se foge de alguma coisa. É manifesto, então, o ódio dos futuristas aos museus e acadêmias, o que prova um desdém, quiçá não admitido, pelas formas tradicionais. É um vanguardismo artístico sem direção que influenciou aos fascistas na sua pesquisa estética, os mesmos que o vestiram de romano e o pensaram como herança distante, quando se tratou de uma inovação fria, retilínea, inumana.

É precisamente esse carácter estético inumano que os novos fascistas aplicam nas suas ideias sobre o papel da autoridade sobre o homem. Renegam do progressismo só porque não é suficientemente violento e selvagem, também porque aborda questões alheias ao demos, porque no fundo os fascismos são apenas a intoxicação da massa, e por isso dão a impressão de elevá-la, de colocá-la ao serviço de questões superiores como a nação e a pátria, enquanto na verdade, deixa-a em ruínas, e deixa-a perdida em materialismo pois, por nobres que sejam as lutas em nome da terra dos pais, ainda são lutas terrenais.

A negação da transcendência se espalha ao resto do edifício intelectual, e é lá onde encontramos a intersecção entre os novos fascistas e o comunismo. Se declarando herdeiros da modernidade, celebrando a decapitação dos reis e colocando no centro do Estado uma massa amorfa, imitando a embaçada noção de velocidade que colocaram no centro da sua estética, e ao vácuo caótico da sua sensibilidade religiosa inexistente, negaram qualquer ideia de governança estável. Não é sagrado o Poder aos seus olhos, só é como um cogumelo brotando da terra, o resultado de acordos republicanos, e portanto é frágil. Não há distância entre o governante e o governado, a sua união está em algo que por sua vez não se afasta deles mesmos, de novo alega-se à terra, mas a terra é só isso sem uma noção de divindade. Efetivamente são todos os cidadãos iguais enquanto compartilharem uma série de particularidades e existirem num espaço determinado. É preciso apenas negar a nação para nos encontrarmos, de novo, no fim do jogo modernista.

Assim como os seus parentes modernistas, o novo fascismo procura destruir aos intermediários da governança. Nos seus esforços de subordinar qualquer autoridade social ao Poder do Estado moderno, produto do seu próprio ato informal de forja estatal que não reconhece a natureza sacra do Poder, os seus defensores desenvolvem ideias para mobilizar a periferia contra instituições de ordem como a Igreja. Eis que o seu conceito disfuncional de meritocracia ateleológica ataque à Nobreza e ao Clero, reforçando a posição do Poder como único centro ao redor do qual são todos eles a mesma coisa. Isto é uma receita para o caos, pois anula qualquer ideia de continuação, de transmissão legítima do Poder, e coloca a sociedade em conflito. A sua cegueira com o passado lhes cega também perante o futuro. Não vimos a morte do Duce num ambiente pacífico, nem a do Hitler, mas ninguém deles possuía um herdeiro formal e a questão de quem iria dirigir o projeto estava tão em aberto ao ponto de permitir cataclismos dentro da estrutura.

Essas complicações da governança conviveram com ímpetos reacionários, sem dúvida, mas essa é a diferença entre o velho e o novo fascismo. Agora se renega aquilo que lhe fez tolerável, lhe deu  uma certa benignidade e lhe pode tornar útil como mecanismo de estabilidade política. É dos mais pervertidos e ignorantes homens do fascismo histórico que os novos fascistas tiram as suas ideias materialistas, proto-anárquicas, jacobinas, e mesmo em alguns carniceiros comunistas eles veem exemplos a seguir. Se o velho fascismo ligava, ou subordinava a figura do rex com a do dux, o novo nega que a auctoritas esteja sujeita de algum modo a imperativos divinos. Ele nasce e morre com um caudilho sadista, seja nas mãos dos liberais, dos vermelhos, ou dos seus próprios irmãos.

Que o fraco progressismo não se resolve com gritarias e matanças sem motivo é claro para qualquer reacionário. Por isso nós devemos distanciar a nossa identidade política do fascismo e dirigirmos a formas mais dignas de reação perante a hegemonia liberal. Temos que formular as nossas reclamações ideológicas fora do fascismo, dado que o fascismo é demasiado neurótico, demasiado instável; é outra expressão agressiva de modernismo fetichista, é outra degeneração do conceito de autoridade. O Estado fascista é totalitário não porque seja forte, senão porque o seu Poder é inseguro. Ele controla tudo, militariza tudo e intervém em todo lugar porque tem medo que em algum lugar apareça um pretendente, e o pretendente aparece pela instabilidade das suas próprias premissas materialistas que não reconhecem de forma coerente o princípio sagrado de autoridade. Isto é um ponto enorme de discórdia para o reacionário.

O Estado tradicional é orgânico e não totalitário, já disseram vários de muitas maneiras. No seu império reconhece zonas de autonomia parcial porque coordena e integra numa unidade superior forças cuja liberdade reconhece como subordinada ao conceito de autoridade divinamente delegada. É a sua fortaleça e seguridade no comando que lhe permite atribuir responsabilidades como achar adequado, e não como lhe imporem as suas próprias inseguridades. Se ele recorrer à força bruta e à centralização, é só em momentos críticos, e é uma centralização formalmente reconhecida para proteger ao todo de ameaças maiores; o Estado fascista, pela sua parte, é dominado pela massa e vive para ela, tem medo de quaisquer que estejam entre ele e a massa, e a usa para destruir.

Em outras palavras, o Estado tradicional é omnia potens, não é omnia facens; ocupa o centro, age sem complexos, se impõe se for necessário, mas não intervém em todos os aspectos da vida, nem ataca tudo. A ideia geral é, um centro ao redor do qual giram outros centros que moldam o tecido social, todos eles se negando perante o absoluto quando for necessário, todos eles compartilhando uma tradição comum. O centro dirige tudo com verdadeira auctoritas, como faria Deus, e sobretudo, em nome de Deus.

Então, historicamente, poderíamos dizer que o chamado socialismo nacional, ou de variante revolucionária, que se desenvolveu como um esqueleto ou complemento para o fascismo do século XX, falhou estrondosamente, e existindo dentro do próprio fascismo, falhou duplamente. Os alemães purgaram as ideias radicais já em 1934, quando Hitler, grande pragmatista, resolveu massacrar aos strasseristas e outros resquícios do socialismo prussiano. Eles foram considerados uma ameaça para as políticas que desejava impor, como a privatização de empresas. Não conseguiu fazer isso por motivos logísticos, mas esse é outro assunto. A realidade do poder soube ver que a utopia era mais massacre do que convinha.

Na França, os chamados «neosocialistes» de Marcel Déat, que ganharam certa relevância no governo do marechal Pétain, apesar da sua abordagem mais religiosa, pressionaram para a aplicação de políticas neojacobinas e revolucionárias, tentando reacender a chama da instável e nefasta primeira república. Isso provocou a marginação dos ideais reacionários, pois pressionaram totalmente com a ocupação alemã, assim como alienando o eixo tradicionalista nas cúpulas, que naquele momento viam a nação francesa em perigo, como explicamos em outro artigo. É por isso que a cúpula reacionária confiou no de Gaulle juntamente com outros petainistas desiludidos, que viram no General os verdadeiros valores católicos franceses.

Enquanto isso, na Espanha, o superestimado ramo das JONS, liderado por Ramiro Ledesma Ramos atrapalhou mais do que ajudou no esforço da dissidência pela construção de um fascismo espanhol benigno. As JONS propuseram coisas contrarias às políticas realmente necessárias, devido a sua absorção do futurismo modernista. Alegaram que a anarquia era o espirito espanhol para aliar-se com a CNT e que a União Soviética era amiga dos seus ideais. Depois que Ledesma e José Antonio se afastaram em 1934, a Falange se tornou irrelevante, e com ela os jonssianos ressentidos. Essa ruptura demonstrou de longe que a tendência com maior consistência ideológica, e com maior estabilidade e verdadeira firmeza estadista da dissidência espanhola, foi aquela promovida pelo carlismo; é preciso acrescentar que o único jonssiano no governo vencedor, Girón de Velasco, foi um fervoroso tradicionalista e leal a Franco até os seus últimos anos de vida, sendo quando jovem um militante jonssiano.

Para concluir esta carta aberta, exorto aos nossos opositores se perguntarem: por quê acreditar numa ideia que corrompe o objetivo que perseguem, e a longo prazo, vai prejudicar ainda mais a sua nação do que os esforços de qualquer doutrina declarada sua ‘inimiga’?, por quê vocês vão apanhar o seu povo e infligir terríveis flagelos nele apenas por um fetiche infantil com a estética?, o quê tem de errado na sabedoria milenária dos antepassados, na aceptação da tradição como modelo gerador e ordenador das ordens humanas?

E aos nossos companheiros dissidentes com cérebro: O quê estão esperando para agir como se fossem só um? Há muitos agora que estão confundidos, que podemos ajudar. Realmente este é o momento necessário para definir uma verdadeira dissidência que possa acabar com a ordem liberal de uma vez por todas, e de forma efetiva.

Que não voltem as matanças, nem o terror; que os Robespierres sejam purgados dos nossos projetos de restauração de modo que não nos atrapalhe a perfídia de sociopatas e falsos césares. Embora muitos assim o considerem, a luta pelo bom, pela beleza e pela verdade, hoje transformada em política, não é um jogo, nem uma fonte de identidades, de -ismos para colocar nas redes sociais e fazer piadas ofensivas com um grupo de desconhecidos com problemas sociais. Se trata de construir uma verdadeira comunidade e verdadeiras alternativas para dissuadir os poderes, ou constituir novos centros de poder que fomentem as nossas aspirações de elevar tudo o que é bom e aproximar o bom aos nossos, ao que é nosso.

Reacionário não é um insulto, sabemos bem, senão um elogio bem recebido por aqueles que admitem a tendência para a entropia, a deriva dos terceirismos, a podridão na modernidade. Bem, o bem-estar não somente é medido na capacidade das nossas máquinas, nem na velocidade dos nossos carros, nem no quão misturados estejam os povos de melhor ou pior disposição. O bem-estar é a ordem autêntica e a autoridade coerente. O bem-estar é a religião, a pátria bem compreendida e bem amada; o bem-estar é a reação, e tudo o que é bom é reacionário.

Que se afoguem na sua raiva os vassalos da revolução, como fizeram os seus predecessores. Nós continuaremos reagindo!